sábado, 16 de abril de 2011

Narciso acha feio o que não é espelho



             O narcisismo é um conceito psicanalítico criado por Sigmund Freud, que adotou o termo a partir do mito  grego de Narciso. A origem da palavra Narciso, do grego Narkissos, vem de narkes, que significa entorpecimento, torpor, inconsciência. A palavra  narcótica é derivada  e indica qualquer substância que produza alteração dos sentidos, gerando narcose.
            Faz-se correlação ao termo, também com a flor denominada narciso, bela e solitária, que nasce na beira dos rios, cuja existência é frágil e efêmera.
O narcisismo, cujo nome Freud tomou de empréstimo ao mito grego de Narciso, o jovem que enamorou-se de sua própria imagem espelhada na superfície de um lago, ficou associado, em nossa cultura, à idéia de vaidade que seria, dentre os sete pecados capitais, o mais grave, pois  todos os outros derivariam deste.
Conforme o mito explicita, a idéia de narcisismo está vinculada à questão da imagem e esta, por sua vez, à noção de identidade. A imagem corporal é o primeiro esboço sobre o qual irão se desenhar, posteriormente, as identificações constitutivas da personalidade. 
           Assim sendo, ao abordarmos o tema do narcisismo, não podemos deixar de fazer uma reflexão acerca da função primordial da imagem no mundo contemporâneo, motivo pelo qual alguns teóricos enfatizam que vivemos no interior de uma cultura do narcisismo, entendendo-se por isto, uma cultura voltada para a imagem e para o individualismo.
Lembramos de um comercial que dizia: imagem é nada, sede é tudo. Obedeça sua sede, beba o refrigerante que você deseja.” O que se pode depreender desta palavra de órdem? Obedeça a sua sede, sua pulsão, seu desejo e não àquilo que um outro refrigerante  promete fazer por sua imagem.É tão grande o poder da imagem em nossa cultura midiática, que o sucesso do referido comercial decorre da estratégia de utilizar a antítese, imagem é nada, para antagonizar seus concorrentes que afirmam: imagem é tudo.
Vemos então, que os  conceitos de narcisismo, ego e identidade encontram-se estreitamente ligados. É pelo olhar do outro, especialmente este outro materno que encarna todas as nossas possibilidades de satisfação, prazer e segurança, que aprendemos a saber quem somos. Se o olhar deste Outro brilha por nós e se em algum momento pudermos nos sentir capazes de preencher  este Outro de alegria, estaremos constituindo nosso amor próprio, aprendendo a ler no espelho do olhar do Outro, que nossa existência vale a pena e tem um sentido, nem que este sentido seja, num primeiro momento, preencher os anseios deste outro que significa tudo para nós, condição mesma de nossa existência. Mas não podemos parar por aí, estancando neste lugar de colagem onde nosso desejo não se distingue nem se diferencia, mas, ao contrário, se reduz ao desejo do Outro.
            Falar do conceito freudiano que versa sobre o narcisismo, e logo sobre a imagem,   é oportuno, para ilustrar a polêmica criada  pelos impropérios  lançados ao mundo, por Rafinha Bastos, standuper do CQC, através da net,  denegrindo a imagem e a dignidade dos rondonienses.
           Chamou-nos de feios e de filhos do Diabo...  Ora, isto feriu de morte o narcisismo de nosso povo, que também xingou,  ofendeu,  falou até em  impetrar ação civil pública junto ao MPF, para punir o  humorista, pelo dito maldito!
           Eis aqui então, Narciso que somos, diante da mais viciosa das dependências: a da sempiterna aprovação e confirmação pelo outro, seja pela auto-imagem de si mesmo ou pelo testemunho externo,  daquele que nós  gostaríamos de  ser. Negação de nós mesmos,  incurável ingratidão....
          Esse outro,  Rafinha Bastos  defendeu-se, dizendo  que   todos  estão ao alcance dos tentáculos  dos chistes do humor...  Assim como ele disse que rondoniense é feio, há muito se diz que carioca é malandro,  paulista  é workholic, baiano é preguiçoso,  mineiro é sacana, gaúcho é viado,  e muitos outros estados que  tem seu estereótipo mimeografado no ideário nacional. Defendeu-se dizendo que fazer graça com os defeitinhos dos outros é o que garante o mote e o ganha-pão de seu ofício: fazer rir!
           Talvez ainda estejamos em infimo desenvolvimento psicossocial... Não suportamos a ferida narcísica! Pois bem, a dialética promovida em torno da polêmica foi bemvinda, reforçou nosso sentimento de "pertença", de recomposição de autoimagem lacerada, houve aí uma necessidade de aceitação,o querer ser aprovado pelo mundo, estar sempre agradando.., . assim, sem mais delongas, para não querer massagear mais o ego de quem que seja,  termino,  parafraseando Caetano Veloso:
"Quando te encarei frente a frente,
não vi o teu rosto,
chamei de mau-gosto o que vi,
de mau-gosto, mau-gosto,
é que Narciso acha feio o que
não é espelho"...

Myriam Queiroz
Psicóloga Clínica
CRP. 01-11.221

4 comentários:

  1. Myriam, antes de Freud, o termo narcisismo foi escolhido por Paul Nacke em 1899, referindo-se a uma pessoa que trata seu corpo da mesma forma como trata um bojeto sexual. Nesse grau, ele considerava o narcisismo uma perversão. Seria impossível num comentário abranger todos os angulos do seu artigo, que, no geral mostra sua indignação pelo comentário feito ao povo de Rondonia. Sejam bem vindos a comunidade dos demais Estados "carimbados" pelos humoristaas.

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  2. gosto do narcisismo, pra mim a questão é trazer tudo pra luz da conciencia.
    acordar, ver tudo como é.
    não como dizem ou parece ser.
    narcisismo é bom na dose certa.
    mas nos deram espelhos e eles as veses quebram. fazendo má figura.
    quanto ao CQC, é um programa de zoações sempre vitimando alguém. lamentavel.
    fronteiras são tristes invenções humanas.
    o mundo não deveria ter fronteiras ou desigualdades tão grandes.
    mudar ou tentar mudar isto é nossa missão.

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  3. sinceramente ver beleza em si mesmo pode tambem ser sinal de grandeza.. mas de um modo que vejamos beleza em todo mundo,, no fundo um narcisismo esta olhando justamente pro lado podre em si mesmo,, aprovando e desaprovando em cima de uma imagem falsa que tem de si, uma inclinação sexual a si mesmo não pode ser e nem é causa de se ver um mundo monstro.. certamente a mente ainda é segredo pra ocidentais,, pois como podem compreender algo em sim mesmos,, medindo por comparações externas

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  4. Querida Myriam, vim, vi e gostei. Os laços que você criou sobre o narcisismo em um simples post são de deixar vaidosa a sua autora.
    E vaidosos ficamos também por ser amigos dessa mulher, bela autora.
    Abraços.

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